28 de ago. de 2009

ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA OBESIDADE


PALESTRA REALIZADA 26/08/2009
Agência Central do Banrisul

ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA OBESIDADE

Dra. Denise Mairesse[1]

O que é a Obesidade e o que ela significa para nós? Quando falamos em Obesidade qual é a primeira coisa que nos vem à cabeça?
Em geral, a imagem de uma pessoa muito gorda. Bem, nem sempre a pessoa gorda, segundo os parâmetros estéticos da nossa sociedade necessariamente está na faixa considerada Obesidade e/ou sofre consequências a partir do seu peso, sejam elas físicas ou psicológicas. Mesmo a pessoa com uma Obesidade extrema nem sempre sofre mais com seu peso do que outros que estão um pouco acima ou que imaginam estar acima do peso. Isto é, existem muitos modos de se “ser gordo” ou ter Obesidade. A questão é que a “ditadura do corpo perfeito” em que vivemos, nos cerca de tal forma que é realmente muito difícil se sentir bem fora do padrão.
Como psicóloga e psicanalista eu não vou tratar especificamente das co-morbidades que a Obesidade costuma produzir, mas sim das causas e conseqüências psíquicas, psicológicas.
Para a psicanálise não importa o rótulo Obesidade, o que existe são diversos modos de ser dentre os quais um sujeito pode se situar que está relacionado com um acúmulo de gordura no corpo e com todas as causas e decorrências disso.
Então, do que se trata a Obesidade desde o ponto de vista psicanalítico?
Uma pessoa ao ser diagnosticada como Obesa, recebe esse diagnóstico como um rótulo, muitas vezes recaindo sobre esta um estigma que gera a exclusão social, seja na busca de um trabalho ou na escolha de um parceiro, seja uma exclusão causada por ela mesma ou pela sociedade que compreende o sujeito com Obesidade como aquele que “não tem força de vontade”.
Mas será que a Obesidade começa aí, quando é diagnosticada e/ou quando a pessoa se percebe “gorda”? Será que as complicações psicológicas são geradas somente pelo fato da pessoa ser ou se sentir acima do peso esperado?
Quando instalada a Obesidade, é claro que o excesso de gordura na maioria das pessoas causa sim, no mínimo, um desconforto. Podendo significar até a exclusão total nas relações sociais. Muitas vezes o sujeito evita expor seu corpo, colocar roupas que lhe marquem as formas, evita um traje de banho, evita o relacionamento sexual, em alguns casos tornando-se solitário e triste, podendo chegar a casos de depressão e pânico. Outras vezes o sujeito se coloca como aquela pessoa sempre alegre e divertida, o amigo de todos, não se excluindo socialmente, porém excluindo-se de algumas experiências e realizações que deseja. Ou poderíamos nos perguntar: não seria justamente para se excluir que se engorda? O que faz com que um sujeito necessite de um corpo obeso, o que faz com que um sujeito não consiga dar limite a sua compulsão pela comida, seja doce ou outro alimento que para ele signifique algum modo de aconchego e prazer a ponto de torná-lo obeso? Isto é, porque algumas pessoas precisam se fazer engordar, que tipo de mecanismo está envolvido aí? O engordar pode, em muitos casos, servir ao sujeito como uma defesa inconsciente, o que ele quer evitar?
É somente respondendo a essas questões que podemos trabalhar contra a compulsão. E a resposta pode ser diferente para cada sujeito que vive essa experiência. Mesmo que a Obesidade manifeste algumas características que se repetem em grande parte dos sujeitos, sempre deve ser observado o significado desta condição para cada um. A diferença está em como foi produzido este sintoma para cada sujeito.
Para entender isso temos que nos remeter a constituição do Eu. Isto é, como em cada um de nós é formada a imagem de si. Aquela imagem que olhamos e enxergamos no espelho. A Obesidade na maior parte dos casos está relacionada com a constituição da subjetividade nos primeiros anos de vida, mesmo nos casos em que a compulsão se manifesta a partir da adolescência ou mais tarde.

Entre outras diversas razões, observa-se que nesse momento inicial da vida dos sujeitos em que o bebê chora para expressar algum desconforto, é a mãe ou quem faz a função materna para o bebê que vai aos poucos nomeando o que ele está sentindo. Por exemplo, o bebê pode estar com cólica, frio, molhado e, ao interpretar o choro do seu bebê, a mãe também vai criando um laço com ele e com aquilo que ela vai decidir que lhe dará conforto. Muitas mães interpretam mesmo o chorinho de frio como fome. Assim, o bebê ao se sentir aconchegado com o alimento e com o colo da mãe pode parar de sentir o frio e ao mesmo tempo reforçar para essa a idéia de que chora por fome, aprendendo a buscar no resto de sua vida o aconchego pelo alimento, principalmente os que são à base de leite ou do que foi principalmente alimentado enquanto criança. Uma criança que recebeu alimentos mais doces nesse momento de sua vida terá provavelmente uma preferência por esses, pois o significado do doce está relacionado ao aconchego.
Este momento inicial da vida ainda comporta um sentimento de segurança e proteção ideal em função dos cuidados que o bebê costuma receber. O desejo inconsciente de permanecer em uma posição ilusoriamente segura, a do bebê protegido pela mãe, faz com que o sujeito crie uma defesa. O inconsciente lança mão de uma força muito poderosa para mantê-lo assim. É a compulsão, ou melhor, uma força chamada pulsão que busca resgatar durante a vida essa experiência idealizada.
Na Obesidade predominam duas forças principais atuando nesse sentido:
A pulsão oral, aquela que tem sua fonte principal na boca, como órgão de prazer, porém diz respeito a todo o sistema digestivo (porque senão bastaria manter o prazer na boca, como outras drogas o fazem) e por isso na Obesidade, percebemos também o prazer, mesmo com sofrimento, no sentir-se “estufado”.
E a pulsão escópica, cujo órgão principal que a sustenta é o olho. Muitos já devem ter ouvido falar: “come por olho”, “o olho é maior que a barriga”, etc. Mas, mais do que o olho, é o olhar que está em questão. E não só o olhar a comida, porém o olhar sobre o seu corpo. Em geral, como a pessoa se olha no espelho quando se sente gorda? Não quer olhar, não deseja olhar, tem vergonha, se acha feia, disforme da forma esperada socialmente e por si mesma... e, então, come mais! Em outros casos, olha-se dialogando com a sua imagem no espelho, entrando em um acordo, vendo-se a partir do que é suportável relativo a um ideal desejado. Porém, no mesmo momento, caso se enxergue em uma fotografia, dificilmente não se decepcionará, pois a imagem congelada não sustenta o diálogo.
Assim, essas duas pulsões juntas tratam de manter o sujeito nessa posição agarrado ao seu sintoma.
Um limite que não foi construído internamente em relação à alimentação, pode ser construído em um tratamento.

TRATAMENTO

Bem, ouvimos muito falar na necessidade de mudar os hábitos. Sim, é importante, mas mudança de hábito é, num primeiro momento, através da dieta, construir um limite externo, o que tem um prazo de validade, dura o tempo do entusiasmo, o tempo em que o sujeito consegue emagrecer e se olhar no espelho. Mas como fazer com que ele continue conseguindo se olhar? Junto a esta mudança, aos exercícios físicos e a dieta alimentar, deve ser construído um limite interno, aquele que vai controlar a compulsão, fazer ela menos necessária. Possibilitando, deste modo, que o sujeito se depare com a marca do feminino e/ou masculino de seu corpo, olhar-se no espelho, gostar de tirar fotografias, sem mais precisar se excluir. É a isso que se propõe o trabalho psicanalítico.






[1] Psicóloga e psicanalista, Mestre e Doutora pela UFRGS.

2 comentários:

  1. Gostei muito da postagem. Parabéns!
    Gostaria de ver algum texto seu a respeito da compulsão alcoolica, pois parece que a compulsão por alimentos tem alguma semelhança com a por alcool pelo que li deste texto.
    Um abraço!

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    1. Olá! Boa ideia! Vou logo que possível tratar de escrever sobre esse tema aqui tb. Tens razão, na verdade toda compulsão que envolve a oralidade tem semelhanças... mas tb diferenças e principalmente temos sempre que levar em conta a história e o fantasma de cada sujeito. Obrigada pelo seu comentário!

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