“Eu estava andando na rua e comecei a sentir uma palpitação... não sei porque... eu não tinha tomado café... De repente senti uma vertigem mais forte da que eu costumo ter... Me bateu um baita medo! Medão mesmo! Não fazia sentido... fiquei ofegante, suava muito e procurei um lugar pra me segurar... Um homem mais velho me perguntou se eu precisava de ajuda... Eu me agarrei no braço dele e disse que não estava me sentindo bem. Ele me ajudou e eu sentei no cordão da calçada. Comecei a chorar mas não conseguia largar o braço dele! Coitado! Uma estranha agarrada nele como uma criancinha. Chorei muito! Aos poucos foi passando... Consegui pegar um taxi e ir pra casa. Desde esse dia tenho um pouco de medo de sair sozinha... Tenho medo de sentir de novo o que senti, parecia que eu ia morrer”.
Inicia com uma crise de ansiedade e/ou com pequenas queixas de algumas dores e gradativamente começam a ocorrer episódios de taquicardia, tontura, sudorese, falta de ar, ataques súbitos de pânico. Esses são alguns dos principais sintomas de uma “síndrome” considerada bastante contemporânea. Alguns estudos a consideram típica de um tempo onde o efêmero e o “estresse” predominam nas relações sociais da vida moderna, seja com o trabalho, com as pessoas ou com os objetos. Porém, observa-se que a humanidade, de certo modo, já assimilou e está se acomodando num novo modo de construir uma racionalidade capaz de se adaptar à velocidade das invenções, descobertas e demandas de um mundo onde as novas tecnologias até já deram provas de que não são um “bicho papão”. Isto é, as novas tecnologias como as redes sociais, por exemplo, podem até ser boas companheiras sem necessariamente substituir pessoas e muitas vezes até dependem de uma rede de afetos.
Sendo assim, porque os sintomas continuam? O que faz com que essa síndrome ou como a Psiquiatria a denomina, Transtorno de Pânico, seja tão recorrente na atualidade quanto a Melancolia ou, como segundo a ciência médica denomina, as Depressões?
Recorrendo a Freud para pensar esses sintomas se encontra, já em 1894, um artigo onde esse autor escreve sobre a Neurose de Angústia destacando-a da Neurastenia como uma síndrome específica (Freud, vol. III, 1986). Vejam só, 1894! Ainda no início de sua carreira médica e invenção da Psicanálise.
Freud escreve (p. 92):
“O que denomino “neurose de angústia” pode ser observado numa forma rudimentar ou totalmente desenvolvida, tanto isoladamente como combinada com outras neuroses. Naturalmente, são os casos até certo ponto completos e ao mesmo tempo isolados que sustentam de maneira especial a impressão de que a Neurose de Angústia é uma entidade clínica.”
Destaco aqui alguns dos principais sintomas que Freud (p.92-98) descreve:
• Irritabilidade geral. Uma das manifestações a essa irritabilidade é a hipersensiblilidade ao ruído. “Um sintoma indubitavelmente explicável pela íntima relação inata entre as impressões auditivas e o pavor. A hiperestesia auditiva revela-se frequentemente como sendo causa de insônia, da qual mais de uma forma pertence à neurose de angústia.”
• Expectativa angustiada. “Por exemplo, uma mulher que sofre de expectativa angustiada pensará numa pneumonia fatal a cada vez que seu marido tossir (...) e assistirá à passagem do funeral dele; (...). Naturalmente a expectativa angustiada se esmaece e se transforma imperceptivelmente na angústia normal, compreendendo tudo o que se costuma qualificar de ansiedade ou tendência a adotar uma visão pessimista (...).” Para a “forma que se relaciona com a saúde do próprio sujeito” – “podemos reservar o velho termo hipocondria. O auge alcançado pela hipocondria nem sempre é paralelo à expectativa angustiada geral; requer como pré-condição a existência de parestesias e sensações corporais aflitivas. Assim, a hipocondria é a forma preferida pelos neurastênicos genuínos quando estes caem presa da neurose de angústia, como ocorre com frequência. Outra expressão da expectativa angustiada é sem dúvida a angústia moral” - o escrúpulo e o pedantismo até uma forma exagerada de mania de duvidar.
• Ansiedade. “Pode irromper subitamente na consciência sem ter sido despertada por uma sequência de representações, provocando assim um ataque de angústia. Esse tipo de ataque de angústia pode consistir apenas no sentimento de angústia, sem nenhuma representação associada, ou ser acompanhada da interpretação que estiver mais à mão, tal como (...)” extinção de vida, ameaça de loucura ou então algum tipo de parestesia ou “finalmente o sentimento de angústia pode estar ligado ao distúrbio de uma ou mais funções corporais tais como a respiração, a atividade cardíaca, a inervação vasomotora, ou a atividade glandular.” O paciente “queixa-se de espasmos no coração”, “dificuldade de respirar”, “inundações de suor” ou é mencionado um “sentir-se mal”, “não estar à vontade”, etc.
• Acordar em pânico.
• Vertigem – o solo oscila, as pernas cedem.
• Fobias.
• Atividades digestivas – alternância entre diarreia e constipação, necessidade de urinar.
• Etc.
Observa-se que, em fins do século XIX, Freud já descrevia o que hoje genericamente se compreende como uma das principais síndromes contemporânea. Na maior parte das vezes a relacionando com um modo de vida no qual a velocidade das mudanças provocaria insegurança ao sujeito. Mas quando a vida foi segura? Nas grandes epidemias? Nas grandes guerras? E, quando a morte não foi a única certeza da vida?
Freud neste artigo ainda descreve sintomas menos associados à chamada Síndrome ou Transtorno de Pânico, mas que se percebe clinicamente, na escuta de pacientes, como havendo uma correlação com características e/ou outros sintomas mais típicos, seja na evolução dessa psicopatologia, seja por ocorrerem paralelamente camuflando de certo modo o quadro clínico o que ampliaria o diagnóstico de Síndrome de Pânico para o que Freud denominou de Neurose de Angústia. Como, por exemplo, a chamada Síndrome do Intestino Irritável e a constipação alternada com Diarreia que tantas controvérsias causam na Gastrenterologia acabando algumas vezes por cumprir uma função de alienar o próprio sujeito de um sofrimento psíquico associado a causas relativas a subjetividade do sujeito conforme Freud aponta.
“(...) quando há fundamentos para se considerar a neurose como adquirida, uma cuidadosa investigação orientada nesse sentido revela que um conjunto de perturbações e influências da vida sexual são os fatores etiológicos atuantes. (...) Essa etiologia sexual da neurose de angústia pode ser demonstrada com tão esmagadora frequência que me arrisco, no âmbito deste pequeno artigo, a desconsiderar os casos em que a etiologia é duvidosa ou diferente. (...) será recomendável considerarmos separadamente homens e mulheres.”
E, no caso das mulheres, dois dos fatores etiológicos da neurose de angústia, entre outros, apontados por Freud, seriam a ejaculação precoce e a não preocupação com o prazer da mulher pelo homem. Sendo que o prazer feminino no ato sexual era considerado como uma vergonha para as mulheres (o que ainda persiste no discurso de muitas culturas e famílias). Nota-se que Freud, em 1894, é um jovem médico, um homem do século XIX cuja observação e escuta clínica se ocupava fortemente com a fisiologia do sexo. Na época em que Freud escreve este artigo, o ato sexual que não considerasse também o prazer da mulher, talvez não pudesse ser compreendido pela Medicina como podendo representar para essa um descaso ou desamor do marido, bem como outros significados, por exemplo, a associação deste ato a uma experiência ou fantasia de abandono na infância cuja sensação de rejeição e perda se reeditam. Associações de cada sujeito a serem escutadas, mas em sua maioria o posicionando em um lugar de rejeição, abandono e perda. Ideias essas que aparecem comumente como desencadeadoras da chamada Síndrome do Pânico. Ou melhor seria dizer Neurose de Angústia?